Polêmica ou questão de saúde? Apostas esportivas e suas consequências
- Mirella Mariani

- 15 de nov. de 2024
- 9 min de leitura

Você já notou como são frequentes e diárias, as notícias nos mais diversos meios de comunicação ou redes sociais, envolvendo setores, como: economia, varejo, beneficiários de programas sociais, atletas, judiciário, saúde e o mundo das celebridades?
O interessante é que se você estiver atento, não vai notar um eixo comum nas colocações, com uma solução para qualquer um destes setores. Na totalidade dos grupos mencionados, a temática das reportagens tem sido variada, abordando: o enorme crescimento na divulgação e utilização de plataformas de jogos e apostas esportivas, como o seu impacto atinge a economia, a geração de empregos ou impostos, envolvimento de menores de idade, as deficiências do setor de saúde para atendimento, e a lista de temáticas enorme. Porém, o que fica mais peculiar, é observar que esta discussão ocorre diante do fato de que ainda não existe legislação apropriada.
As apostas esportivas são autorizadas no Brasil pela lei 14.790/23, que permite que empresas privadas operem apostas de forma online ou em estabelecimentos físicos, porém este mercado passará a ser regulamentado pelo governo, apenas em janeiro de 2025. Vale a pena ficar de olho para que nesta ocasião sejam garantidas estratégias para promover maior segurança aos apostadores.
O Ministério da Fazenda iniciou o processo de revisão, em 01 de outubro de 2024 anunciando as cerca de 220 casas de apostas que tiveram suas licenças aprovadas, mas, outras quase 600 ainda poderão ter suas atividades encerradas ou suspensas e seguem aguardando. Algumas das casas de apostas, com volumes de apostas relevantes, ainda não tem autorização e como alternativa, vêm buscando por licenças estaduais.
O Governo brasileiro ainda sugere a criação da extensão de domínio “.bet.br” com objetivo de facilitar a identificação das casas de apostas regulamentadas, o que entra em vigor em 01 de janeiro de 2025.
Esta decisão é composta de diversas mudanças para a indústria das apostas em solo nacional, aonde os usuários ganham maior segurança para jogar, o governo passa a arrecadar com impostos sobre as operações das plataformas. Desta forma, questões como fiscalização ou a saúde do apostador podem passar ser de corresponsabilidade de quem fiscaliza e cobra, como de quem oferece e recebe por isso.
Aqui no Brasil, quando nos deparamos com o fato de que benificiários do “Bolsa Família” gastaram 3 bilhões em apostas esportivas, temos o dever de projetar as perspectivas para a população nacional em todos os aspectos acima citados. Em novembro de 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, concedeu liminar determinando que o governo passe a adotar medidas imediatas para impedir o uso de recursos de programas assistenciais, como “Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada” (BCP), em apostas online (BETs). Além disso, também ordenou a proibição de publicidade de apostas direcionada a crianças e adolescentes, sendo a princípio, essas restrições publicitárias previstas para entrar em vigor a partir de janeiro de 2025.
Esta decisão suspendeu parcialmente a lei 14.790/23 e visa proteger famílias vulneráveis e menores de idade, dos impactos financeiros e psicológicos das apostas online. O que estimulou este movimento foi uma ação apresentada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que citou os impactos gerados a nível social, econômico e para a saúde dos apostadores, sendo ainda solicitado ao STF que fosse declarada como inconstitucional, a lei que regulamenta as bets.
E aqui surgem diversas questões...
Existem medidas muito importantes no âmbito da saúde do apostador que precisam ser consideradas. Informações preliminares sugerem que os mesmos deverão apenas utilizar casas de apostas legalizadas no Brasil, com propaganda restrita e regulamentada, que seria adotado o uso de KPIs para autoexclusão ou identificação de uso inadequado das plataformas, com o automonitoramento por parte do próprio apostador, entre outras medidas. Porém, diversos estudos nacionais e internacionais já apontam estratégias protetivas para os usuários, que envolvem desde a prevenção como a promoção de cuidados, para evitar questões importantíssimas.
Vamos refletir sobre a questão do automotitoramento, o que é fundamental! Considere a seguinte situação: pedir a um apostador diante de uma opção de apostar, ele decida se irá ou não realiza-la, não parece o mesmo que solicitar a um alcoolista, que não tome a caipirinha que está no copo em sua mão? A resposta parece um enigma de lógica? Ou é totalmente óbvia? Um apostador com problemas em regular seu comportamento, assim como o alcoolista, devem evitar a aposta e o primeiro gole e não são capazes de decidir sobre isso diante do estímulo!
Apostas esportivas, um tipo de jogo de azar vem ganhado visibilidade e causado prejuízos significativos para muitas pessoas. Os diversos relatórios e levantamentos realizados indicam dados que chamam a atenção por sua grandeza e pela rapidez da evolução de determinados comportamentos.
No estudo realizado pelo o Statista sobre o mercado Mundial os resultados são surpreendentes, e indicam que a receita estimada para os jogos online pode alcançar a marca de US$ 97,70 bilhões em 2024, com a expectativa para o número de usuários desses sites de 281,8 milhões até 2029.
No relatório publicado recentemente, pela comissão de especialistas reunidos pela revista científica “The Lancet Public Health”, estimativas globais do impacto do jogo de azar na saúde pública indicam que aproximadamente 450 milhões de adultos ao redor do mundo apresentam algum problema. Deste total, 80 milhões tinha transtorno do jogo (TJ). A doença é classificada pelo Manual Diagnóstico de Psiquiatria o DSM5 e é caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando, apesar das consequências negativas.
Uma das pesquisadoras responsáveis por este estudo, a Dra. Heather Wardle professora da Universidade de Glasgow e especialista em apostas esportivas, ressaltou que “o jogo online oferece acesso contínuo a produtos de uma forma que não era possível há 20 anos”. Para ela, no jogo online ocorre também uma mudança fundamental no que se refere à natureza da indústria. Isso graças à sua natureza, visto que por serem produtos de grandes empresas de tecnologia, estas acabam se utilizando de todas as percepções e informações que possuem sobre os usuários, sendo assim capazes de estabelecer um relacionamento muito direto com seus consumidores, interagindo por meio de inteligência com seus dispositivos e rastros digitais.
No estudo do “Grand View Research” realizado em 2022, por exemplo, observou-se que o tamanho do mercado global de jogos de azar era de US$ 63,53 bilhões e a perspectiva de taxa de crescimento anual composta de 11,7% prevista entre o período de 2023 a 2030.
Outro aspecto que merece destaque são os fatores que tornam os jogos mais atrativos para o mercado consumidor norte-americano, ao praticarem apostas esportivas e avaliado no estudo Kingbridge. Este levantamento indicou principalmente que: 45% dos apostadores referiram que o esporte ficou mais interessante, 38% faziam o pareamento do esporte com as apostas esportivas, 34% gostava de competir, 29% apreciava a emoção causada pelas apostas e 15% dos participantes se sentia bem ao lidar com riscos.
A relação entre alguns destes fatores, como: aposta online ou presencial, perfil dos apostadores, valores apostados ou tipo de jogo de escolha, certamente interfere no agravamento da taxa de incidência para Transtorno do Jogo (TJ).
Já a revisão realizada pelo o Conselho Nacional de Jogos Problemáticos sobre a relação entre apostas esportivas e dependência em jogos de azar, concluiu que: a taxa de problemas de jogo nos apostadores esportivos é pelo menos duas vezes mais elevada do que entre os jogadores em geral; 45% das apostas desportivas agora são feitas online, ou seja, os jogos de azar online estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana (NCPG).
E o que dizem os levantamentos Nacionais?
Com base nas experiências internacionais é possível notar que este cenário não é nada promissor, mas devastador. Plataformas, aplicativos ou as simples interfaces de apostas esportivas online, como facilitam o acesso e início do comportamento de apostar inscrição, oferecendo uma série de bônus, opções para realização do pagamento, além da facilidade de saques rápidos.
Diante deste cenário é relevante conferir as informações do Banco Central (BC), sobre o volume de transferências via PIX, realizado de pessoas físicas para empresas de apostas online indicando uma variação, que variam entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões, em 2024. Supostamente 15% do valor das apostas ficam retidos para os provedores, enquanto o restante é distribuído como prêmio. Aparentemente por que, ainda estes valores refletem as transferências brutas (valor total apostado pelos jogadores), valores estes que estariam subestimados, já que as apostas podem ser feitas por outros meios além do PIX, como no pagamento via cartão de crédito e ou por TED.
Segundo informações da empresa de análise de dados Comscore, o Brasil ocupava a terceira posição mundial em consumo de casas de apostas, apenas ficando atrás dos EUA e da Inglaterra em 2022. Já em 2024, pelo menos 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes no primeiro semestre deste ano por conta de apostas on-line, segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O que se observou foi um avanço de 257% no fluxo desses recursos, em relação ao fim de 2022, a CNC projeta um aumento de 3,9% na quantidade de famílias impactadas, o que representa mais 191 mil famílias.
Contribuindo com os dados do estudo anterior e detalhando os possíveis prejuízos do setor, a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em seu levantamento revelou que 60% dos brasileiros que já fizeram algum tipo de aposta esportiva perderam dinheiro e consequentemente acabaram comprometendo seus orçamentos pessoais. Este relatório indicou que 64% dos apostadores utilizaram sua renda principal para apostar; que 49% também usam renda extra; 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas para realizar suas apostas; 19% deixaram de fazer compras no mercado e impressionantemente, 11% não gastaram com a própria saúde e medicamentos.
Como somos parte de um país com uma população de quase 220 milhões e cerca de 163,8 milhões de pessoas com aparelho de telefone celular e cerca de 90% com acesso a internet, de acordo com o IBGE, vale a pena pensar se estes dados não podem ainda atingir números ainda mais destacados. Com os jogos de azar disponíveis na palma da mão, o reflexo no progresso aumento do número jogadores com problemas é quase uma consequência natural, à medida que a oferta se torna indiscriminada e não protetiva.
No mapeamento da pesquisa realizada pelo “Instituto Locomotiva” verificou-se que nos sete primeiros meses de 2024, 25 milhões de pessoas passaram a fazer as apostas, o que representa uma média de 3,5 milhões por mês. Deles a população de apostadores se caracterizou por serem: 53% homens e 47% mulheres, sendo a maioria dos apostadores na faixa etária entre os 30 aos 49 anos. Quanto ao poder aquisitivo, 80% são pessoas das classes de renda: C, D e E, os outros 20% são classe A ou B. Além disso, 86% das pessoas que apostam têm dívida e que 64% estão negativadas na Serasa.
Outra fonte de dados da pesquisa “Panorama Político 2024” mostra que os resultados em números de apostadores não se mostraram muito diferentes. Ressalta-se que 13% dos brasileiros com 16 anos ou mais, o que equivale a 22,13 milhões de pessoas declararam ter participado de apostas esportivas nos últimos 30 dias.
E como ficamos?
Diante do cenário apresentado, cada um irá chegar as suas próprias conclusões e a partir daí decidir, por livre arbítrio como agir. Existem condições favoráveis e desfavoráveis, que facilitam a tomada de decisão e também a iniciativa de permanecer com suas convicções e também de alterá-las.
O importante sempre é que, ao colocar-se diante de um conhecimento novo, busque informação de qualidade para que a sua escolha ocorra de maneira consciente e gere consequências positivas e reforçadoras para assim manter sua saúde social, física e mental com qualidade e bem estar!
Não é uma pessoa, uma família, um comércio, uma empresa, um instituto, um centro de referência, um banco, um especialista que sugere atenção ou está fornecendo dados sobre a questão das apostas esportivas. Certamente a decisão não está em suas mãos, mas se algum familiar seu deixar de cumprir com algum compromisso, financeiro, de trabalho ou mesmo no relacionamento, por que está com um problema com jogo de azar, você vai precisar de ajuda e toda a família também.
Minha sugestão: informe-se e saiba que Transtorno do Jogo é a 3ª dependência mais prevalente, apenas atrás de álcool e tabaco e na frente de cocaína e crack, por exemplo.
Psicóloga Mirella MC Mariani
REFERÊNCIAS
https://nyproblemgambling.org/resource-lib-item/sports-betting-activities-survey
https://forbes.com.br/forbes-money/2024/07/mais-de-60-dos-apostadores-perderam-dinheiro-com-as-bets/
https://kindbridge.com/wp-content/uploads/Kindbridge-Gambling-Disorder-Treatment-Outcomes-Report.pdf
Jogos de azar online - em todo o mundo | Previsão de mercado Statista
Kindbridge: https://kindbridge.com/articles/the-psychology-of-sports-betting/
Kristensen, JH, Pallesen, S., Bauer, J., Leino, T., Griffiths, MD, & Erevik, EK (2024). Suicídio entre indivíduos com problemas de jogo: Uma revisão de literatura meta-analítica. Psychological Bulletin, 150 (1), 82–106. https://doi.org/10.1037/bul0000411
Panorama Político 2024: Apostas esportivas, golpes digitais e endividamento https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2024/09/30/relatorio_apostasesportivas-golpesdigitais-endividamento-1.pdf
Relatório de Análise de Tamanho e Tendências do Mercado de Jogos de Azar Online, 2030 (grandviewresearch.com)
https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/online-gambling-market
Statista: https://www.statista.com/statistics/1126480/sports-betting-revenue-us/
The global gambling industry is rapidly expanding, with net losses by consumers projected to reach nearly US$700 billion by 2028 https://search.app/1MNHkigddn9gw2DF8



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