Caps não está preparado para atender viciados em bets, dizem funcionários
- Mirella Mariani

- 3 de out. de 2024
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Profissionais da saúde apontam a falta de estrutura e recursos como principais desafios no tratamento
02/10/2024 às 13h00 por Gustavo Gonçalves Campinas

A psiquiatra Geisinale Dias, 33, vê de perto o impacto das apostas online na rede pública de saúde. Ela atua há três anos no Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) de Americana, no interior de São Paulo, e atende um número crescente de pessoas com vício em jogos.
"A maioria demora pra vir por vergonha dos prejuízos financeiros e pessoais ", afirma. Para Dias, a principal barreira para tratar a ludopatia, condição médica caracterizada pela compulsão por jogos de azar, no Caps é a falta de recursos.
"É necessário investimento, principalmente diante do volume alarmante de jogos disponíveis."
Profissionais de saúde que atuam no de Caps ouvidos pela Folha afirmam que as unidades de assistência não tem estrutura suficiente para atender e tratar o crescente número de dependentes em jogos de azar. Segundo eles, faltam profissionais especializados e até mesmo espaço físico.
A alta relatado por funcionários é reflexo da popularização de sites de apostas no Brasil. Em 2018, foi aprovada a a Lei nº 13.756, que autorizou apostas esportivas, conhecidas como bets. Desde então, outros tipos de jogos, como o Tiger Fortune, também chamado de "jogo do tigrinho", ganharam popularidade.
Levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio) mostra que os brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em jogos online apenas no primeiro semestre deste ano. Além disso, 1,3 milhão de pessoas ficaram inadimplentes devido às apostas
Segundo o médico Ciro Jorge, 32, que trabalha no Caps da Mooca e no infanto-juvenil de Mauá, mesmo antes do aumento da demanda causada pela dependência em jogos, a estrutura dos centros já não era adequada para atender outros pacientes. Ele relata que a explosão de novos apostadores piorou o quadro de saúde de jovens e adultos.
"Pacientes com transtornos pré-existentes, como depressão ou alcoolismo, que aderiram aos jogos, passaram a apresentar agravamento dos sintomas", afirma. Jorge relata que há escassez de psicólogos e medicamentos específicos para controle de impulsos, o que complica ainda mais o tratamento. "Estamos com dificuldades de estabilizar novamente esses pacientes."
Atualmente, o Ministério da Saúde orienta aqueles com sinais de dependência a procurar ajuda nas unidades do Caps, onde o tratamento para a ludopatia é oferecido.
Para a psicóloga Mirella Mariani, supervisora do Pro-Amjo (Programa Ambulatorial do Jogo) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), os Caps não contam com mão de obra especializada para atender esses pacientes. "Profissionais de saúde mental treinados, utilizando metodologia baseada em evidências, teriam condições de realizar a avaliação, mas não são muitos os que possuem essa formação", diz.
Mariani diz que seria necessária a implementação de rotinas de avaliação médica, psicológica e social, além de terapias estruturadas e do envolvimento da família. Desta forma, o tratamento seria mais eficaz.
Outro obstáculo levantado por especialistas é a ausência de dados precisos sobre a ludopatia no sistema público. Atualmente, o SUS registra apenas os procedimentos realizados, e o uso do código que registra o chamado "jogo patológico" não é obrigatório, o que dificulta a obtenção de informações exatas sobre o número de pessoas afetadas.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que ampliou a Raps (Rede de Atenção Psicossocial) para melhorar o atendimento a pessoas com transtornos mentais, incluindo o vício em jogos. A pasta declara que foram criados 117 novos Caps, totalizando 2.953 unidades.
A Raps é constituída por um conjunto integrado de diferentes serviços, como o Caps, para atender pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool, drogas e vício em jogos.
Além disso, o Ministério da Saúde declara que participa de um Grupo de Trabalho Interministerial ao lado do Ministério da Fazenda para tratar do jogo patológico.
OBSERVAÇÃO:
Além da informação da reportagem vale ressaltar que:
Alguns fatores indicam que algo errado pode estar ocorrendo e antes mesmo que a situação fique muito ruim, no que se refere à prática de jogos de azar, visto que a classificação de quem faz apostas varia de fases recreativas até a dependência (efeito telescópio) podendo ser classificadas como (Tavares, H; 2003):
Jogo social: o sujeito joga ocasional ou frequentemente, porém sem sofrer consequências adversas de seu comportamento.
Jogo problema: o apostador joga com frequência e certas vezes, acaba experimentando a perda de controle e prejuízos psicossociais, porém não ao ponto de preencher os critérios diagnósticos para o transtorno do jogo.
Transtorno do jogo: o jogador realiza apostas regularmente e como resultado ocorre à perda de controle na maioria das vezes em que o faz e todos os prejuízos decorrentes deste envolvimento.
O termo Jogo Patológico foi utilizado pela classificação diagnóstica até o DSM4, sendo ele um Transtorno do Controle do Impulso. Atualmente da mesma maneira como ocorre com outras dependências, o Transtorno do Jogo, termo adequado, está alocado no Manual Diagnóstico de Psiquiatria DSM5-TR como uma Dependência, observa-se que os jovens que lutam contra o TJ. Ficam agitados e com raiva, se afastam das atividades familiares e de seus amigos, tem dificuldade para se concentrar em suas responsabilidades, começam a precisar de quantias cada vez maiores de dinheiro para cobrir suas despesas, além de mentir sobre seu envolvimento com as apostas. Neste momento a preocupação com o jogo passa a ser constante e começam a jogar para recuperar o prejuízo. Em casos graves, aumenta a possibilidade de que se envolvam em atividades ilícitas (retirando dinheiro da carteira ou conta dos pais ou mesmo vendendo objetos da família).
Psicóloga Mirella Mariani



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